Por muitos anos, minha mãe foi revendedora de joias, semijoias e sapatos. E das boas. Vendia pra muita gente ali no Vila Isa, das clientes do salão até a mulher da autoescola e a da locadora (essa nunca pagou), passando pelas amigas ali na Francisco Caetano Pimentel, até pra gente lá do centro, as meninas da ótica e da loja de roupas de marca.
Ela começou revendendo produtos de uma feira enorme lá de Belo Horizonte, onde morava minha avó. Nos finais de semana de reposição de estoque, o cronograma era o mesmo: saíamos sábado de manhã para chegar lá final da tarde e passar a noite no apartamento. No domingo, ela e meu pai acordavam de madrugada e saíam para a feira, andavam aquele trem lá todo até não encontrar mais nada interessante e voltavam próximo ao almoço. Traziam sempre muitos brincos, pulseiras, colares, sapatos e acessórios que não sei nem o nome.
Quando sobrava tempo, eles iam na fábrica de uma conhecida deles, onde a mulher fazia um monte de sapatos e sandálias, tudo artesanal. Revendia tudo, não sobrava um.
Minha mãe foi a primeira revendedora online que conheci, muito antes da praga do marketing digital. Ela criou uma página no Orkut, Raquel Semi-joias, assim mesmo, grafia antiga, e fazia os álbuns de fotos com cada coleção. Ela montava o “cenário”, digamos assim, com as peças soltas ou em suas mãos, algumas direto do catálogo, eu batia as fotos e upava no Orkut.
Além das peças da feira, minha mãe era revendedora OFICIAL da Rommanel, uma marca famosa aí de joias, e da Facrisa, essa mais modesta, mas conhecida lá em Minas Gerais.
Sei tudo isso porque era eu quem ajudava ela nessas horas. Para fazer os pedidos da Rommanel, “Guilherme, manda e-mail pra Ivanete com esses códigos aqui e a quantidade do lado, agora!”, tá bom, mãe, eu ia lá e mandava. Em poucos dias, as peças chegavam pelos Correios.
Com a Facrisa, era diferente. Um revendedor ia lá em casa apresentar cada catálogo novo. Vinha de Manhuaçu até lá. O nome dele era Anderson. De tantas visitas e negócios feitos, virou amigo da família. Conheceu até meu pai, no momento de saúde, de intubação, morte e velório. Eu gostava de acordar por volta das nove ou dez da manhã e ouvir a risada alta do Anderson, contagiava a casa, no bom sentido. Ele nunca ficava para o almoço.
Depois que vim embora para a Bahia, nunca mais vi o Anderson, mas troquei algumas mensagens com ele no Facebook, quando ainda usava essa rede, lá pra 2014. Mas acredito que ele e minha mãe ainda se falavam pela internet.
Não sei se ele soube do falecimento dela.
Descobri ontem que o Anderson morreu ano passado.